Consta nos autos que as duas mulheres constituíram uma união estável e foram morar juntas em dezembro de 2012. Além de bens materiais, as companheiras adquiriram duas cadelas, uma da raça rottweiler e outra da raça buldogue francês.

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) garantiu a uma mulher a guarda definitiva de uma cadela, da raça buldogue francês, de 2 anos e oito meses, e que já se encontrava sob sua guarda desde que rompeu a união estável com sua ex-companheira, que não terá direito de visitar o animal após apresentar posturas violentas.

Após seis anos de convivência, o casal terminou o relacionamento. A que permaneceu no imóvel, ficou com a cadela buldogue, enquanto a outra, que deixou a casa, levou consigo a cadela rottweiler. Logo em seguida, ela a doou sem o consentimento da sua ex-companheira, que não a viu mais.

Além disso, a mulher, que também compartilhava a guarda da cadela buldogue, teria ameaçado a ex-companheira, por telefone e por meio de áudios de WhatsApp, dizendo que iria sumir com a cachorra, caso ela não pagasse o valor de R$ 2 mil que pediu para desistir da tutela do animal.

Diante das ameaças, a mulher que vivia com o animal entrou na justiça requerendo a guarda definitiva da cachorra e um pedido de medida protetiva, alegando que sua ex-companheira doou a cadela rottweiler sem o seu consentimento e que apresenta posturas destemperadas e violentas.

O relator do caso, desembargador Fausto Moreira Diniz, da 2ª Turma da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, havia concedido, em outubro de 2018, liminar para que a autora fique com a cachorra buldogue. Agora, em análise de agravo de instrumento, manteve a liminar, além de deferir a tutela de urgência para determinar permanência integral da cachorra junto à autora.

“A permanência da cadela, adquirida na constância da união estável, junto à autora, parece-me o mais adequado não só em razão das posturas aparentemente violentas da ex-companheira demandada, mas também reside no fato dela já ter se desfeito de outro animal que pertencera ao casal”, disse no acórdão.

Decisão é uma mudança de paradigma

Para Thomas Nosch Gonçalves, tabelião, registrador e membro da Comissão de Notas e Registro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, esta é uma decisão importantíssima e uma mudança de paradigma, como já vem acontecendo com algumas decisões nos tribunais superiores.

De acordo com ele, esse tipo de decisão começa a deslocar um esforço hermenêutico no qual o animal passa a ser um núcleo axiológico de interpretação do bem-estar.

“De fato, hoje temos pesquisas do IBGE apontando que existem mais animais nos lares brasileiros do que crianças. Então o magistrado desloca essa interpretação para o animal. Evidentemente que fazemos um apanhado citando o artigo 225 da Constituição Federal, mas ele vem dizendo que deve ser deslocado a matéria, a ciência, do direito das coisas para o direito de família. Que o animal, por integrar esse núcleo familiar chamado doutrinariamente de família multiespécie, passa a ser um importante sujeito de direito. Não pessoa, mas aquele que recebe a proteção”, afirma.

Para ele, o mais interessante dentro dessa cognição, ainda que sumária do relator, como ele mesmo cita no agravo de instrumento, é a preocupação com o animal. Do pet ser bem tratado, a outra ex-companheira que acabou doando a cadela rottweiler e que o pedido da autora era para proteger a cadela buldogue.

“Percebe-se que, nesse plano de cognição do magistrado, ele identificou que a outra ex-companheira poderia criar um abalo, uma tristeza, doando esse cachorro, pois o animal tem senciência e cria um vínculo. A gente sabe disso. Então houve uma mudança de preocupação. Evidentemente que há uma precaução também com a companheira, mas há uma atenção maior também com o animal”, destaca.

Por fim, Thomas Nosch Gonçalves ressalta que a decisão é muito importante porque ela está dentro de uma discussão sobre as três teorias que retratam os direitos dos animais, que hoje são mais divulgadas e debatidas.

“A primeira teoria, tanto doutrinariamente quanto jurisprudencial, é a de conceder personalidade aos animais, e aí eles serem iguais ao seres humanos, pois são animais humanos e não humanos. Há casos em que se a gente identificar até a genética, o DNA de alguns animais são 99% iguais aos nossos, como no caso dos chimpanzés. Uma segunda corrente defende que eles sejam como sujeitos de direito, que é separar pessoas e sujeitos de direitos, que seria esse caso da buldogue, uma proteção especial, um estatuto especial de proteção para esses animais. E a terceira que limitaria ele a manter essa natureza de coisas como ser moventes e discussão somente patrimonial, como está hoje”, finaliza.

Fonte: IBDFAM